Durante décadas, “seguir sua paixão” foi quase um mantra nas conversas sobre carreira. De discursos de formatura a posts motivacionais, essa ideia se consolidou como uma verdade inquestionável. Mas, no final dos anos 2000, um professor norte-americano chamado Cal Newport começou a desconfiar dessa narrativa.
Ao investigar o que realmente fazia as pessoas se sentirem realizadas no trabalho, Newport descobriu algo inesperado: paixão, ao contrário do que se imagina, muitas vezes não vem antes da carreira — ela surge durante o processo. Desde então, ele se tornou um dos críticos mais influentes do “mito da paixão”.
Quem é Cal Newport?
Cal Newport é professor de Ciência da Computação na Universidade de Georgetown, e seu nome ficou conhecido fora da academia por motivos pouco convencionais. Ainda jovem, ele começou a escrever sobre produtividade e carreira de forma quase filosófica, fugindo das fórmulas prontas. Seus livros Deep Work e Digital Minimalism venderam milhões e influenciaram profissionais do mundo todo, de estudantes a executivos.
O que diferencia Newport de outros autores da área é seu olhar técnico e reflexivo, que une método, pesquisa e uma crítica clara à cultura do trabalho acelerado. Seu argumento contra “seguir a paixão” não veio de um impulso provocativo, mas do desejo real de entender o que torna uma carreira significativa e sustentável.
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Por que não seguir sua paixão?
Na visão de Newport, o conselho de “seguir sua paixão” pode ser, na prática, mais confuso do que inspirador. A maioria das pessoas não começa a vida adulta com uma paixão clara e, ao tentar encontrá-la a qualquer custo, acaba frustrada ou paralisada. Em vez disso, ele defende que é mais eficaz focar em desenvolver habilidades raras e valiosas. Ao se tornar realmente bom em algo, o profissional adquire mais autonomia, reconhecimento e propósito — e é nesse contexto que a paixão tende a surgir.
Essa crítica não é só teórica. Em entrevistas e pesquisas, Newport destaca que pessoas satisfeitas em seus trabalhos não seguiram uma paixão preexistente. Elas criaram um caminho próprio a partir do domínio técnico e da dedicação. Ou seja, o entusiasmo não foi o ponto de partida, e sim uma consequência da construção de uma carreira sólida.
Como a paixão pode ser construída?
O processo que Newport propõe é o oposto da ideia romântica de encontrar o “trabalho dos sonhos”. Ele parte da chamada “mentalidade do artesão”: buscar excelência no que se faz, independentemente do glamour inicial da atividade.
Ao repetir esse processo com intencionalidade e foco, o profissional começa a colher benefícios concretos, como independência, confiança e oportunidade de trabalhar em projetos mais relevantes. E é nesse estágio, argumenta Newport, que o sentimento de paixão começa a fazer sentido – como uma recompensa, não como uma bússola.
Além disso, ao sair da busca incessante por algo idealizado, as pessoas se libertam da ansiedade de “estar no lugar certo”. A paixão deixa de ser uma pressão interna e passa a ser uma construção natural, enraizada na prática diária e no senso de progresso.
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O impacto dessa ideia no mundo do trabalho
A crítica de Newport à paixão como guia absoluto ressoou especialmente em tempos de carreiras fluidas, redes sociais e comparação constante. Em vez de prometer felicidade instantânea, ele propõe um caminho mais lento e realista, baseado em prática deliberada, paciência e foco profundo. Seu livro So Good They Can’t Ignore You (2012), onde ele apresenta essa tese com mais detalhes, virou uma referência entre quem busca uma relação mais equilibrada e autêntica com o trabalho.
Nos últimos anos, Newport expandiu essa abordagem com conceitos como “trabalho profundo” e “produtividade lenta”, apontando caminhos para reduzir o ruído digital e reconectar-se com o que realmente importa. Em todos esses tópicos, a mensagem é clara: mais do que seguir sua paixão, vale a pena buscar excelência e propósito. É esse esforço que, no fim das contas, transforma o trabalho em algo verdadeiramente apaixonante.