Carolina Reis sempre gostou de visitar obras. Quando era pequena, ia acompanhada pelo pai, engenheiro militar que adorava lhe ensinar matemática. Hoje tenente moderna – que, no linguajar militar, quer dizer recente – na Diretoria de Obras de Cooperação do Exército e também engenheira, segue a tradição.
A opção pela carreira veio cedo. Na oitava série, incentivada pela família, Carolina prestou concurso para o Colégio Militar do Rio de Janeiro. Passou em quarto lugar e decidiu ali, em meio às formaturas cerimoniais, que queria ser militar também. “O companheirismo do Exército é diferente. O oficial tira algo da própria farda para colocar na sua, por exemplo”, diz.
Estudiosa, também gostava do currículo aprofundado. Decidiu estende-lo ao estudar no Instituto Militar de Engenharia (IME), onde entrou em 2008. A instituição, que fica na capital carioca, é a mesma que formou seu pai, que possui seu nome gravado no salão nobre do lugar. “O IME permite que uma mulher tenha uma carreira militar completa, até alcançar o posto de general”, resume ela, que é a primeira mulher engenheira a chegar na Diretoria de Obras de Cooperação.
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Representadas A história é resultado de uma série de conquistas recentes na luta pela igualdade de gêneros. As brasileiras do Exército, que somam mais de 22 mil, representam cerca de 6% da força total. É um número baixo, mas crescente desde 2012, quando a então presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei permitindo que vagas em áreas combatentes fossem abertas também para elas.
A primeira mulher a integrar o Exército só foi oficialmente reconhecida pela organização mais de um século depois. Maria Quitéria de Jesus Medeiros, ou soldado Medeiros, pertencia ao Batalhão de Voluntários do Imperador e lutou pela Independência do Brasil em 1822.
Famosa entre os pares, foi condecorada por Dom Pedro I como Cavaleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro depois da guerra – e aproveitou para pedir que ele escrevesse uma carta para seu pai, a quem havia desobedecido ao se alistar. Em 1996, ela ganhou o título de Patrono do Quadro Complementar de Oficiais e hoje tem seu retrato em todos os quarteis do país.
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As primeiras integrantes oficiais mesmo vieram em 1943, na Segunda Guerra Mundial. Eram enfermeiras e voluntárias. Meio século depois, em 1992, a Escola de Administração do Exército, na Bahia, teve sua primeira turma feminina matriculada – até então, as poucas mulheres presentes atuavam em cargos majoritariamente administrativos e de saúde.
Ainda nos anos 1990, seguiram-se outras opções de serviço na área de saúde, como médicas e dentistas, e na área técnica, que inclui profissionais diversas como advogadas, psicólogas, professoras e jornalistas. A Aeronáutica, que tem a maior parte das militares ativas e 36 aviadoras, abriu suas portas em 1995, assim como a Marinha. O próprio IME passou a admitir mulheres (e, consequentemente, engenheiras militares) apenas em 1997.
Finalmente, no início de 2016, a Força Terrestre divulgou seu primeiro edital para ingressantes do sexo feminino na área bélica – leia-se: combatentes. As primeiras quarenta oficiais vão passar pela tradicional Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), entre outros espaços, e devem concluir seus estudos em 2021.
Como a carreira militar é longeva e baseada em tempo de serviço, se alguma delas for se tornar a primeira comandante brasileira, só ganhará o título em idos de 2060.
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Igualdade Carolina diz que o fato de ser pioneira – e precoce, já que a carreira militar começa com o título de tenente – não lhe afetou na prática. “Sempre ouvi que, intelectualmente, homens e mulheres são iguais. Ponto. Parágrafo. E no serviço público você tem a vantagem de prestar concurso. Após chegar no posto, ninguém pode te tirar.” Inclusive, quando chegou à Diretoria de Obras de Cooperação (DOC), não sabia que era a primeira mulher a ocupar um posto no órgão.
A boa recepção dos colegas, baseada também nas condições de igualdade e mérito reforçadas pela própria estrutura do Exército, fortalece sua ideia de que não tolher as ambições femininas é fundamental. “Qualquer posto pode ser alcançado por qualquer mulher que achar que pode”, diz. “A grande responsabilidade das mulheres é fazer jus ao posto quando chegar nele.”
Ela destaca que os mesmos valores do Exército que a atraíram desde a escola – contribuir para o desenvolvimento do Brasil, crescimento meritocrático e vontade de fazer grande – também a fizeram se identificar com a Fundação Estudar, da qual é bolsista.
Da rotina de universitária militar, que envolve tirar serviço armado e treinamento físico, ela também tirou lições que mantém. “Lá, você precisa se superar e descobre que é muito mais capaz do que imaginava. Não ando por aí escalando paredes, mas sei que posso”, diz. “Foi muito mais que apenas uma excelente formação em engenharia.”
Pelo Brasil Hoje em Brasília, ela ajuda a controlar as obras (cerca de 20) dos batalhões de Engenharia de Construção (são 11). Participa do controle de gestão e acompanha planejamentos e controles financeiros destes empreendimentos – que diferem das empresas tradicionais, por exemplo, no fato de que não se cobra mão de obra e não se lucra.
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Carolina se formou-se em engenharia de fortificação e construção em 2012. Para quem nunca ouviu o termo, ela explica: “É basicamente engenharia civil, que ganhou esse nome quando começou a ser ensinada também aos não-militares”. O IME possui um dos melhores (e mais concorridos) cursos do país na área e lá, além do currículo básico, os engenheiros estudam também temas específicos do universo militar, como paióis e explosivos.
Durante a graduação, Carolina também participou da empresa junior e desenvolveu projetos de pesquisa. Para ela, a própria natureza de sua engenharia é coletiva, já que envolve liderar equipes expressivas em obras de grande escala, e ensinou muito sobre trabalho em time e relacionamento com pessoas – habilidades que ela aplica diariamente no trabalho em campo.
Já diplomada, mudou-se para Santa Catarina, onde fica o 10º Batalhão de Engenharia de Construção. Lá, trabalhou na rodovia Caminhos da Neve, obra que, quando concluída, ajudaria no escoamento da produção de maçãs local, a maior do país. “Cerca de trinta por cento das maçãs eram perdidas pelo chacoalhar dos caminhões e só aquela obra evitaria a perda de alimentos, de produção de trabalho”, diz. O sentimento de que está construindo algo duradouro para o país está por trás de sua motivação. “Gosto muito de saber que o que estou executando se reflete diretamente para a nação.”
A vida de transferências pelo território nacional a levou também à Amazônia, local de enormes obstáculos (e aprendizados) logísticos. “A Amazônia é um lugar que todo brasileiro deveria conhecer”, diz. Em muitos rincões brasileiros, especialmente no Norte, onde ficam quatro dos 11 batalhões, a presença do Exército é muito mais forte. “É importante saber dessa realidade do Brasil.”
Atenção constante O dia a dia de uma engenheira militar é diferente da colega civil em uma área crucial: militares estão constantemente em treinamento. “Por que quem é combatente faz simulações de guerra e quem é engenheiro precisa estar sempre adestrado?”, pergunta ela. “Porque se algum dia enfrentarmos uma guerra e uma ponte for destruída, por exemplo, precisamos ser capazes de reconstruí-la. As obras são importantes para nos mantermos atualizados.”
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Pode parecer uma possibilidade distante (felizmente), mas é real no quartel e envolve conhecer a fundo as particularidade do país. Quais são as dificuldades e facilidades envolvidas na construção de uma rodovia em época de chuvas no Norte, por exemplo? Ou como lidar com as baixas temperaturas no Sul, capazes de fazer uma máquina congelar? Carolina precisa saber.
Como uma situação pode surgir a qualquer momento, a tenente, que quer ascender na carreira, está sempre a postos. “Isso influencia todos os aspectos das nossas vidas ao exigir uma postura coerente e capacidade de dar exemplo para exercer a liderança de fato”, diz. “Se alguém me ligar, preciso colocar a farda e ir trabalhar.”