Fim dos nômades digitais? Por que profissionais estão abandonando esse estilo de vida

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Redação Na Prática

Publicado em 19 de novembro de 2025 às 07:00h.

Nos últimos cinco anos, o nomadismo digital deixou de ser um nicho para se tornar um fenômeno global. Segundo o relatório da Nomad Magazine (2025), já são mais de 40 milhões de nômades digitais em atividade, movimentando cerca de US$ 787 bilhões por ano. Esse grupo se caracteriza por salários médios elevados e pela crescente adesão a programas oficiais: hoje, mais de 40 países já oferecem vistos específicos para trabalhadores remotos.

Fato é que o movimento que ganhou força durante a pandemia começa a perder fôlego. Relatos de ex-nômades ou profissionais em transição para um estilo de vida mais estável revelam dificuldades logísticas, instabilidade emocional e até impacto na saúde. E a mudança não é apenas pessoal: cidades e países que moldaram políticas para atrair esse público já percebem que o fluxo não é infinito, e que ele traz tanto benefícios econômicos quanto tensões sociais.

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Histórias reais de um estilo em transformação

Uma reportagem do jornal The Guardian traz exemplos de nômades digitais que começaram com entusiasmo, mas acabaram questionando a sustentabilidade desse modo de vida.

A australiana Corina, que chegou a viver em até 40 países enquanto administrava seu negócio imobiliário remotamente, descreveu a sensação inicial de liberdade ao atravessar fronteiras e se instalar na América do Sul. Porém, com o tempo, a rotina de imprevistos — falta de energia, dificuldades de comunicação e até a necessidade de pagar despesas em criptomoeda em meio ao caos econômico da Venezuela — a deixou exausta. “Em algum momento, a dificuldade de tudo isso me consumiu. Eu nunca sabia o que esperar”, contou.

Já a italiana Caterina, gerente de projetos em uma startup de tecnologia, viveu a experiência ao lado do parceiro entre Europa, Ásia e Estados Unidos. O que parecia uma vida de aventuras logo se tornou fonte de desgaste físico e mental. “Estávamos sempre cuidando de passagens, acomodação e de línguas diferentes, enquanto trabalhávamos em tempo integral. Ficamos doentes com frequência e nunca conseguíamos nos recuperar totalmente, porque logo precisávamos mudar de lugar”, relatou.

Economia em movimento

Segundo o World Economic Forum, o nomadismo digital pode revitalizar economias locais, gerar inovação e criar novos negócios. No Japão, um programa de visto lançado em 2024 permite que trabalhadores remotos de 49 países fiquem até seis meses no país, desde que tenham renda anual acima de ¥10 milhões (US$ 66 mil) e seguro de saúde privado. A Mitsubishi Estate, uma das maiores incorporadoras japonesas, planeja oferecer 10 mil imóveis para estrangeiros até 2030, com expectativa de receita anual de ¥20 bilhões (US$ 132 milhões).

Em cidades com infraestrutura turística consolidada, o impacto econômico é imediato: nômades digitais gastam mais que a média local. No Japão, a renda mensal média desse grupo é de ¥780 mil (cerca de US$ 5.200), mais que o dobro da média nacional. Esses gastos irrigam setores como hospedagem, gastronomia, transporte e coworkings.

O efeito colateral: pressão sobre o mercado imobiliário

O mesmo fenômeno que gera receita também inflaciona mercados imobiliários. Propriedades antes destinadas a moradores passam a ser alugadas a preços mais altos para estrangeiros dispostos a pagar em moeda forte. Cidades como Lisboa, Cidade do México e Bali já registram aumento expressivo de aluguéis e denúncias de “gentrificação nômade”, quando comunidades locais são deslocadas pela chegada de trabalhadores remotos com maior poder aquisitivo.

No Japão, embora o mercado ainda esteja se abrindo para esse público, o próprio governo reconhece barreiras culturais e contratuais que limitam a locação a estrangeiros. Essas barreiras, embora vistas como entraves para a atração de talentos, acabam funcionando como proteção indireta para a população local.

Pós-pandemia e reconfiguração do trabalho

O Business Insider observa que o auge do nomadismo digital coincidiu com a expansão do trabalho remoto na pandemia. Agora, com empresas reforçando políticas de retorno ao escritório, mesmo que em regime híbrido, a liberdade geográfica deixou de ser garantida. Profissionais que construíram sua vida em movimento precisam escolher entre voltar a um endereço fixo ou buscar vínculos mais flexíveis, cada vez mais raros.

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Estabilidade como novo valor

Estudos, como o da Universidade de Groningen citado pela reportagem do The Guardian, indicam que o nomadismo digital é frequentemente visto como uma fase temporária. Mais cedo ou mais tarde, a busca por estabilidade, seja no país de origem ou em um destino definitivo, tende a prevalecer. Isso significa que cidades que investem exclusivamente em atrair nômades podem enfrentar fluxos sazonais e imprevisíveis.

A experiência recente mostra que políticas públicas eficazes precisam equilibrar os ganhos econômicos imediatos com estratégias de proteção social, sobretudo no mercado imobiliário. A atração de trabalhadores remotos não deve significar a exclusão de moradores locais.

O futuro do nomadismo digital, portanto, não é de extinção total, mas de transformação: de um movimento baseado na circulação constante para um modelo mais híbrido. Profissionais dividem períodos de mobilidade com bases fixas e cidades aprendem a receber sem perder seu próprio equilíbrio social.

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