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O que entrava a inovação no Brasil? Veja o que pensa Ronaldo Lemos, um dos criadores do Marco Civil da Internet

Ronaldo Lemos olhando o celular

Três bilhões, seiscentos e onze milhões, trezentos e setenta e cinco mil, oitocentos e treze. Este é o número global de usuários da internet segundo a estimativa mais recente, de junho de 2016. Destes, mais de 139 milhões estão no Brasil – e todos eles têm garantias, direitos e deveres previstos no Marco Civil da Internet, aprovado em abril de 2014, que vão muito além de uma postagem.

“É um erro grave confundir a internet somente com as redes sociais e aplicativos de mensagem”, diz Ronaldo Lemos. “A rede é parte da infraestrutura do país. Ela é responsável hoje por atividades críticas como comércio eletrônico, telemedicina, serviços públicos, transações bancárias e financeiras, gerenciamento de infraestrutura e da rede elétrica e assim por diante. Isso só vai se aprofundar.”

Ex-bolsista da Fundação Estudar, organização que está com inscrições abertas para seu Programa de Bolsas 2017, ele é um dos principais nomes por trás da lei do Marco Civil da Internet, pioneira no mundo.

Acumulador de funções, é professor de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), representante do MIT Media Lab no Brasil, diretor do projeto Creative Commons no país, cofundador e diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS) e vice-presidente do Conselho de Comunicação Social, criado por um artigo constitucional e com sede no Congresso Nacional.

Sua trajetória – que o levou do Triângulo Mineiro à Universidade Harvard e à longa batalha pela aprovação e manutenção do Marco – começou em Araguari e é marcada pela curiosidade duradoura. A cidade havia sido escolhida pelo governo para ser uma das primeiras a receber TV a cabo, e o acesso à informação encantou a criança. “A conexão ao mundo que isso propiciou foi um elemento fundamental na minha formação”, lembra.

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Atraído pela vastidão de informações disponíveis globalmente, Ronaldo decidiu estudar direito, que ele via como uma profissão conectada às mais diversas áreas, da arte à economia. Em 1994, mudou-se para a capital paulista para estudar na Universidade de São Paulo, na Faculdade do Largo de São Francisco (de onde saíram nomes que vão do presidente Michel Temer ao diretor de teatro Zé Celso).

Dois anos depois, começou a trabalhar em um escritório de direito relacionado a telecomunicações e, ao mesmo tempo, a dar aulas de sociologia. “Esse curto circuito me levou para a internet”, fala. “Logo percebi que aquela nova rede teria um impacto enorme nas nossas vidas e passei a me especializar nessa área.”

Ronaldo Lemos no Conselho de Comunicação Social / acervo pessoal
[No Conselho de Comunicação Social / acervo pessoal]

Em 2001, fez as malas para um mestrado em Harvard. Naquela época – e é preciso fazer um esforço para lembrar que o mundo nem sempre foi hiperconectado –, a universidade tinha a única escola de direito com um centro de pesquisas totalmente dedicado ao direito e à internet.

Empolgado com o que tinha aprendido nos EUA, ele retornou ao Brasil um ano depois e mergulhou na organização de um seminário sobre o tema em parceria com Harvard, chamado de iLaw. “Esse seminário foi formativo e dele participou toda uma geração de estudiosos da internet que estão na ativa até hoje”, conta.

Construção de um marco Muitos deles estiveram envolvidos com o maior projeto da carreira de Ronaldo até agora, o Marco Civil da Internet. Escrito a muitas mãos e de maneira colaborativa, começou a tomar forma pública em um artigo de Ronaldo publicado em 2007 pela “Folha de São Paulo”.

Intitulado “Internet brasileira precisa de marco regulatório civil”, o texto criticava duramente um projeto de lei de crimes digitais então em tramitação em Brasília, que acabou apelidado de “Lei Azeredo” ou “AI-5 Digital”.

Então coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Rio, Ronaldo era totalmente contra a proposta. “Para inovar, um país precisa ter regras civis claras, que permitam segurança e previsibilidade nas iniciativas feitas na rede (como investimentos, empresas, arquivos, bancos de dados, serviços etc.)”, escreveu. “As regras penais devem ser criadas a partir da experiência das regras civis.”

Ou seja, antes de impôr um marco penal era preciso ter um marco civil. Dois anos depois, quando a aprovação da Lei Azeredo ainda estava em pauta, o texto civil – que também ganhou um apelido: “constituição da internet” – começou a surgir, graças à forte reação da sociedade e apoiado pelo governo federal.

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Passou por consulta pública entre 2009 e 2010 e chegou ao Congresso em 2011, privilegiando a liberdade de expressão, a neutralidade da rede e a privacidade. “É uma lei essencialmente anti-censura”, resume Ronaldo. “Quem se sente incomodado pela liberdade da internet geralmente não gosta do Marco Civil. Infelizmente isso inclui políticos em Brasília, que sofrem com o fato da internet jogar transparência sobre sua atuação.”

Ainda levaria outros três anos e uma série de idas e vindas – e as denúncias de espionagem feitas por Edward Snowden, que fizeram com que a presidente Dilma Rousseff ordenasse que o projeto fosse votado logo – até que fosse sancionado.

“É uma conquista imensa para o Brasil e um dos pilares essenciais para se promover a inovação”, entusiasma-se. “Não é um projeto de governo nem de partido, e sim originado da sociedade. Para mim, é uma satisfação imensa ter contribuído para colocar o país na liderança dessa discussão mundialmente.” O legado, impulsionado por Ronaldo, já está em construção. O documento, que foi considerado pela ONU como modelo internacional e elogiado pela imprensa por seu pioneirismo, inspira hoje a Itália, que está em vias de criar seu próprio marco civil.

Inovação no Brasil A luta contínua para defender o Marco inclui também facilitar a inovação e o empreendedorismo no país, ambos cada vez mais ligados ao online.

“Um dos principais obstáculos é superar essa cultura anti-inovação que infelizmente é majoritária”, fala, adicionando que há mais de 60 projetos de lei que visam cercear, criminalizar ou controlar a internet atualmente no Brasil. “Não há um projeto sequer para apoiar os inúmeros garotos e garotas espalhados por todo o Brasil criando empresas inovadoras e startups.”

No Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional criado em 1991, Ronaldo trabalha com o grupo para realizar estudos e recomendações sobre diversos temas, da probição de biografias não-autorizadas à alteração de resultados em sites de buscas. Hoje em seu segundo mandato e eleito vice-presidente, viu seus pareceres citados até pelo Supremo Tribunal Federal. Sua participação, acredita, diminui a distância entre os debates travados em Brasília e na sociedade como todo. (Dos 13 integrantes previstos pela lei, cinco devem representar sociedade civil.)

Ronaldo Lemos e Ministro do Supremo Luis Roberto Barroso
[Com o Ministro do STF Luis Roberto Barroso / acervo pessoal]

Praticamente um veterano dos meandros da gestão pública, Ronaldo age para criar insumos de outras maneiras também. O ITS, que oferece diversas publicações para download, está preparando um mapa do empreendedorismo inovador no Brasil que servirá de base para a criação de uma agenda positiva de políticas públicas.

Entre os diversos desafios enfrentados pelos empreendedores brasileiros, burocracia e falta de incentivos fiscais estão entre os mais citados. “Se eu investir em renda fixa ou Tesouro Direto, tenho desconto no imposto de renda. Se investir em uma startup, não: vou pagar o imposto cheio e correr um risco maior com um investimento que é produtivo, que gera crescimento, emprego, tecnologia, inovação”, disse Felipe Matos, fundador da maior aceleradora da América Latina, a Start Up Farm, em uma entrevista concedida no começo do ano ao Na Prática. “É desconcertante.”

“Nosso país conta com um dos mais altos índices de empreendedorismo do planeta e nossa utilização da internet também está entre as mais altas”, fala Ronaldo. “Isso não é trivial. Há uma cultura de inovação entre nós que fica reprimida por agendas presas a modelos do passado ou por pura falta de visão de futuro mesmo.”

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Em sua visão, esse futuro levará políticos a encarar a questão da internet queiram eles ou não. Cidades inteligentes, redes neurais, internet das coisas, inteligência artificial e carros autônomos estão todos no horizonte e precisarão ser debatidos e regulamentados.

Além de render transparência e melhores processos de gestão na máquina pública, abrir as portas para a inovação também pode ter efeitos menos óbvios, como tornar a economia brasileira baseada na transformação de conhecimento em produtos e serviços.

“Precisamos construir um outro tipo de desenvolvimento no país, onde a informação e o conhecimento são elementos centrais”, fala, antes de criticar os bloqueios recentes de aplicativos como WhatsApp, Secret e Uber. “É uma temeridade. Quem mexe na infraestrutura da rede em geral são países autoritários como Irã, Arábia Saudita e Coreia do Norte.”

Patrimônio Equilibrar tantas funções não é fácil. Manter-se atualizado em relação a temas tão dinâmicos também não. Para dar conta de tudo, Ronaldo criou grupos de trabalho em sintonia com os mesmos valores e espírito.

“O maior patrimônio que tenho na vida é a sorte de trabalhar com pessoas tão incríveis e que admiro tanto”, diz ele, citando como referências Joi Ito, diretor do MIT Media Lab, e o antropólogo Hermano Vianna. “Esse é o maior tesouro que alguém pode ter no mundo de hoje.”

Aos jovens profissionais e advogados, seu conselho é direto: mantenha-se curioso. “É preciso estar interessado não só sobre o tema principal, mas sobre o mundo como um todo. Tudo está conectado. Para entender sobre uma área é preciso entender sobre muitas outras também. Acredito que o melhor que um jovem advogado interessado nesse campo pode fazer é se manter curioso e trabalhar em favor dessa curiosidade. Todo o resto será consequência.”

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