Foco e eficiência sempre fizeram parte da trajetória profissional de André Peixoto. Aos 16 anos, André vendia sanduíches na escola e produtos de limpeza para comerciantes, como forma de garantir seu sustento. Aos 18, teve de abandonar os estudos para trabalhar. Foi negociante de tijolos e vendedor de carros.
Tentou empreender, mas nenhum dos dois estabelecimentos que abriu deu certo. Aos 22 anos, vendeu seu carro para pagar o primeiro período da faculdade.
Foi enxergando oportunidades em momentos desafiadores da sua trajetória que ele galgou seu caminho até se tornar CEO e, mais recentemente, principal acionista da rede de lojas Leader.
Logo que adquiriu a totalidade do negócio, no início de março, a organização entrou com um pedido de recuperação judicial. Isso antes da explosão do Coronavírus no Brasil e das subsequentes ações de isolamento e distanciamento social. “O bom de quem é traumatizado é que não existe posição sólida de caixa. Eu sou obcecado com caixa”, disse ele, em um bate-papo sobre gestão de crise com a Comunidade de Líderes da Fundação Estudar.
Por isso, mesmo estando em um dos setores mais fortemente atingidos pela pandemia de COVID-19, o CEO vem conseguindo implementar aprendizados dos seus primeiros anos na organização, bem como guiar o time para garantir a sobrevivência pós-crise, através de uma abordagem disciplinada e de uma rígida gestão de prioridades.
O que a liderança de uma empresa deve fazer em uma gestão de crise?
Dica 1: Focar no essencial
A primeira orientação de André é entender o que é o essencial para o negócio permanecer vivo. Cada ramo tem o seu “essencial” – e, segundo ele, “normalmente quando você junta as pessoas na empresa pra julgar o que é essencial, elas erram. Nunca confie na primeira rodada do que é essencial.”
Na Leader, em primeiro lugar vem gente – esse é o maior patrimônio. “Você tem que tentar prolongar ao máximo possível sua capacidade de manter seu time funcionando. Eu e minha diretoria abrimos mão de 100% do salário para conseguir fazer a empresa rodar e outras pessoas sentirem menos”, explicou ele. Isso quer dizer que a liderança deve estar disposta a ter conversas difíceis, encarando o problema de frente. “É melhor reduzir de todo mundo do que todo mundo ser demitido com a falência de uma empresa.”
O outro essencial, para ele, é o ativo pra quando o distanciamento social terminar. Ou seja, manter as lojas intactas e evitar vandalismo e roubos. O paralelo que ele faz é de um cenário de guerra: “É como fazer uma cirurgia crítica, dentro da trincheira – tá passando bala por tudo quanto é lado na sua cabeça, mas você tem que manter a calma para operar a cirurgia”.
Dica 2: Gestão de Caixa
A segunda orientação é sempre manter uma gestão baseada em caixa, com muito cuidado para o que ele chama de “firulas de contabilidade”.
Por exemplo: “Depois que surgiu o CAPEX, muita empresa coloca os gastos como investimentos, e fica com um EBITDA bonito e distribui equity para sócios e líderes. Isso maquia a saúde financeira”. No caso do seu financeiro, a Demonstração de Resultados é baseada no fluxo de caixa. Ele entende que dívidas são importantes para gerar aumento de resultado, mas no fim, toda empresa tem que ser obcecada em gerar caixa positivo.
Por isso, ao rever o orçamento em um período de gestão de crise, André afirma que nunca se deve confiar na primeira proposta de corte de custos da equipe. “Aperte e questione cada linha. Com o tempo, vocês vão perceber que o essencial é bem menos do que imaginavam; você descobre que consegue ser mais enxuto”.
Ele diz ter visto muitas pessoas pagando contas que podem ser negociadas, e “queimando caixa” por isso. O que ele faz é sentar com seus credores para realinhar as expectativas de pagamento. “O problema não é pagar multa lá na frente, é você ficar sem caixa agora. Faça isso de forma correta”.
Dica 3: Transparência
“Meu time nunca ouviu uma palavra de desespero saindo da minha boca. E já recebi mensagem dizendo que estavam comigo mesmo se ganhasse R$1”. Isso porque, segundo André, é papel da liderança neste momento dar clareza da gravidade da situação, mas com a serenidade de quem realmente acredita que “vamos virar esse negócio juntos, e vamos sair do outro lado – e vamos sair muito melhor”.
A única forma de estabelecer este nível de confiança – com o time e com os fornecedores – é a transparência. “Seja sincero com as pessoas, não se esconda. Não espere as pessoas chegarem até você. No geral as pessoas recebem muito bem essa abordagem direta. Se tiver dívidas, fale: não vou ter dinheiro para pagar, mas quero continuar como parceiro de negócio. Vamos conversar”
Dica 4: Manter o engajamento
O mais crítico para manter o engajamento do time – especialmente durante momentos de gestão de crise – é tornar o negócio parte do projeto de vida das pessoas. Que a passagem pela empresa faça parte da sua realização profissional, e entendida como uma oportunidade ímpar de desenvolvimento. “Se tiver significado, isso é o que engaja as pessoas”, afirma André.
Este significado, em momentos críticos, pode ser tangibilidade no alinhamento de todos os times rumo a um único objetivo: sair do outro lado. E principalmente as pessoas mais engajadas precisam ter visibilidade de que a sua retenção é a prioridade número um para a empresa neste momento.
“ A gente vai sair melhor dessa crise, mas tem que ter calma. Pode ser que a crise seja longa, mas você vai voltar ao ponto em que você estava. ”
Se for necessário reduzir o time, é preciso ser pragmático e entender que “ou você demite uma pessoa agora ou demite 4 na frente, inclusive você porque a empresa vai acabar”.
Por isso, o mais importante é conduzir as demissões necessárias de forma humana. “Entenda que é um momento de dor, e se prontifique a ajudar.”
E, para quem está do outro lado, o mais importante é não se desesperar. “Esse choque é temporário, e se você é uma pessoa capaz e entregou resultados, o mercado vai te trazer de volta. Você chegou onde chegou porque reúne habilidades que fizeram as pessoas acreditarem em você. Pode ser ser que sua empresa ou seu negócio se vão na crise, mas você não”, aconselha.
Dica 5: Prepare-se para o depois (a gestão de crise não pode ser permanente)
Por fim, nunca deixe de pensar no futuro – por mais que em certos momentos ele esteja muito nebuloso. Na Leader, a programação de reabertura está sendo planejada na defensiva, de forma conservadora. “Sei que precisamos aumentar nossas vendas digitais, mas fazer isso rapidamente agora não quero, porque sei que o que vamos conseguir vender e não sustenta o que vamos investir”, explica.
Voltando o olhar para o essencial da operação, André enxerga crises como a oportunidade de descobrir em quais aspectos a empresa pode ser mais enxuta do que se imaginava antes.
Inclusive para gestores que estão buscando financiamento ou investimento, o caminho para conseguir mais recursos é justamente “o exercício sacrificante de pensar ‘como eu rodo minha empresa com o mínimo pra ser um negócio lucrativo?’”.
“Faça o exercício de emagrecer seu negócio, se preparar para um ambiente mais restritivo. Se não for restritivo, você vai se dar bem. Mas e se for? Você estará pronto”.