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É possível conciliar impacto social com uma carreira de sucesso no mercado financeiro?

Voluntários da ONG Um Teto Para Meu País
Um teto para o meu país

Cristiane Pedote, 45, tem um momento do qual se lembra em todas as suas formas, cores e detalhes. Em 2011, depois de receber um convite do filho mais velho, Lucas, passou dois dias dormindo no chão de uma escola pública para construir uma casa para uma família carente. “A sensação que tive quando voltei para o meu lar foi quase como se estivesse num portal, numa outra dimensão. Fiquei muito abalada. Foi aquele choque entre estar na miséria e, de repente, estar no conforto, e pensei: ‘Só posso estar vivendo num outro planeta’”, conta.

Por meio da ONG TETO (Um Teto para o meu País), que constrói casas emergenciais para pessoas em situação de pobreza extrema, a economista ficou imersa na comunidade de Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, e pôde perceber que tamanha era a sua vontade de fazer mais pelo próximo. O melhor? Ela tinha o poder em suas mãos.

Trabalhando há 12 anos como diretora em uma instituição de investimentos no Brasil (a política interna não permite a divulgação do nome do local), Cristiane soube que poderia não só ajudar a mudar o mundo, mas também a espalhar consciência em relação ao empoderamento das mulheres no universo corporativo. Ela sentiu, após a experiência no Teto, que um bom cargo numa boa empresa não era o suficiente.

Seu desejo por desafios e aprendizado era maior. Sua vontade de fazer um trabalho mais humano e de transformar a vida das pessoas cresceu tanto quanto a sua relevância no setor financeiro. É por isso que, depois de passar por postos de vice-presidência em bancos como o J.P. Morgan e o Goldman Sachs, agora se dedica a uma função que ela admite ter “customizado”. No LinkedIn, auto-intitula-se “embaixadora institucional”.

“O Teto foi uma quebra de paradigmas. Depois de 10 anos no meu atual emprego, em 2011, percebi que existia um mundo lá fora, que tinha muita acontecendo. Queria tirar um sabático para estudar, para entender as dinâmicas da rede, os processos criativos de cocriação, então pedi demissão”, conta ela. O pedido não foi aceito. Seu gestor, no entanto, lhe ofereceu tempo (foram três meses de licença sem remuneração) e carta branca para sugerir mudanças em seu trabalho na volta.

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Voluntários da TETO atuando em Osasco, São Paulo [reprodução]

E ela pensou. Queria ser uma espécie de porta-voz do bem. E virou. “Percebi que sendo uma agente de mudança dentro de uma instituição grande, eu teria um poder maior do que se tentasse fazer isso sozinha, como pessoa física. Agora me considero uma ativista que está dentro do sistema. Um sistema aberto a esse olhar”.

Hoje, Cristiane está à frente de grandes parcerias, como uma com a Unicef, em que o banco de investimentos onde trabalha patrocinou um programa de capacitação de educadores que já beneficiou 1 600 jovens. Ela também faz parte do Women Corporate Directors, uma organização mundial em que mulheres ampliem sua rede de contatos e abram portas para outras mulheres ocuparem cargos de gerência e também distribui, através de workshops e palestras, uma mensagem de incentivo a elas, como ela conta:

“As mulheres não percebem o seu poder porque estão separadas. O que faço é discutir isso, trazer consciência de que elas se veem como sexo frágil, mas que isso é um mito imposto, histórica e culturamente, que cabe a gente quebrar.”

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Cristiane prossegue: “O que a gente busca com isso não é competição com os homens. Não tem por quê competir. Por que, ao invés disso, não criarmos juntos?”. Natural de São Paulo, ela passou a infância e a adolescência dividida entre a cidade de Sorocaba, no interior do estado, e Brasília, no Distrito Federal, onde o pai conseguiu, quando ela ainda tinha 5 anos, um trabalho no Banco Central do Brasil. Também dividiu seus estudos entre escolas públicas e particulares (chegou até a estudar num colégio de freiras). Aos 16, foi selecionada para um programa de intercâmbio nos Estados Unidos.

“Foi muito rico. Eu não tinha inglês nenhum. Foi a base de muita coisa. Nesta época, o inglês fluente abriu para mim as portas do mundo profissional. Eu não teria o sucesso que tive sem essa passagem”, diz.

De volta ao Brasil, queria independência financeira. Não queria depender de marido, queria ter sua própria grana, queria sair do interior e queria morar em São Paulo. Correu atrás das metas. Ingressou na faculdade de Economia da USP, e ali conheceu o marido, Eduardo. Engravidou de Lucas, o primogênito, seis meses depois de começar a namorar, aos 19. A gravidez não planejada inicialmente chocou a família, mas, mais tarde, a única manifestação seria mesmo a de total apoio. “Nós dois já trabalhávamos e, naquela época, o salário dos estágios dava para pagar aluguel e bancar a casa. Nos viramos”, conta. No quarto ano do curso, mais uma gravidez: dessa vez de João Paulo, o mais novo.

Cristiane Pedote [reprodução]

Aos 22, Cristiane conseguiu seu primeiro emprego, na J.P. Morgan, na área de controladoria. Foi contratada para cuidar de um projeto, mas se saiu tão bem que acabou efetivada. Era questionadora: olhava as notas apresentadas e via que muita coisa não fazia sentido. Investigava, descobria e agregava valor. Assim, teve um rápido avanço: foram nove anos na empresa, sendo que aos 27 ela já havia se tornado gestora. Saiu depois de o banco ser vendido e de perceber que o choque cultural era algo muito grande para se lidar.

Não demorou até ser admitida em outro banco. Aos 30, tornou-se vice-presidente no Goldman Sachs, coordenando uma equipe de oito pessoas. A princípio, o convite foi para que Cristiane ajudasse a trazer o banco ao Brasil. “Eu ficaria em Nova York por quatro meses, trabalhando lá, montando o planejamento, para depois voltar e implementar aqui. Conversei com meu marido e ele disse que fazia sentido. Ele ficou aqui com os meus filhos, que tinham 10 e 11 anos, e parti para os EUA.

O atentato de 11 de setembro O combinado era ficar quatro semanas do mês lá e uma aqui, por causa da minha família. Comecei em março de 2001. As coisas foram mudando com o tempo. Eles reviram a planilha de custos e tiveram que cortar viagens após um tempo. O que seriam quatro semanas, se tornaram seis. Era pra eu ficar lá quatro meses, mas fiquei nove. Isso foi gerando um estresse muito grande. E aí veio o atentado de 11 de setembro”, lembra.

Cristiane estava no Brasil, passando o feriado de Sete de Setembro quando o ataque às torres gêmeas aconteceu. O prédio onde trabalhava em Nova York ficava há quatro quadras do coração econômico dos Estados Unidos. No mesmo dia, ela ligou para o chefe dizendo que não mais voltaria – e ele a coagiu a retornar, mesmo em meio ao caos.

Assista ao bate-papo do Na Prática com José Berenguer, presidente do J.P. Morgan no Brasil

“Voltei para Nova York dia 20 de setembro. No avião, da United Airlines, mesma companhia das aeronaves jogadas contra as torres, tinham apenas 12 pessoas a bordo. A classe econômica estava toda vazia. Eu estava super insegura, porque na época falavam que ainda teriam mais atentados. A cidade estava em estado de sítio. Então tinha policial com metralhadora, acesso à Downtown bloqueado, cheiro de carne queimada nas ruas… Foi muito, muito difícil”, conta.

Por conta dos ataques, o banco ficou sem prazo para que a filial brasileira fosse enfim aberta. Cristiane voltou a conversar com o chefe, ameaçando se demitir caso ele não a colocasse num projeto de, pelo menos, dois anos de duração, para que ela pudesse levar o marido e os filhos para morar com ela no país. Ele não aceitou. Permitiu, porém, que ela tirasse uma licença de três meses. Cristiane tirou, mas voltou decidida a se demitir.

Em 2002, aceitaria um novo trabalho em banco. A proposta era para coordenar um projeto de transformação. Cristiane ia transformar um banco comercial em um banco de investimentos no Brasil. O fez. Foi promovida dois anos depois, aos 34, e virou diretora novamente. Continuou a se destacar em sua missão de deixar o que já estava bom melhor ainda.

Faz isso até hoje, conhecendo e investindo em projetos com grande relevância social. Com excelência profissional, Cristiane levanta a bola de que todas as empresas podem contribuir para mudar o mundo.

“Basta ser uma instituição que acredita em seu potencial e que não limita seus funcionários. Comigo, foi uma troca de confiança e investimento”, diz, em tom de agradecimento. São histórias desse tipo, de pessoas em empresas que incentivam seus funcionários a serem mais que números e a se libertarem das suas “bolhas”, que a gente se interessa e quer contar.

Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT 

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