Todo 1º de agosto, Guilherme Cintra comemora uma conquista. Foi nesse dia que, há quase quatro anos, ele começou a trabalhar na Gera Venture, fundo de educação de capital de risco exclusivamente focado em educação. Aos 25 anos, é um de cinco sócios e integra um grupo pequeno e jovem que se tornou referência na área.
“No início foi muito difícil, porque ninguém nunca tinha comprado uma escola”, explica ele, que participou de sua primeira operação de fusões & aquisições logo que chegou, aos 21 anos, ao portal Na Prática. “Batemos em muitas portas sem sermos atendidos. As pessoas perguntavam qual era a lógica daquilo, o que estávamos comprando de fato – as paredes?”
Depois da primeira aquisição – que se tornou a holding Eleva Educação, composta por quatro escolas que atendem cerca de 30 mil alunos –, a situação ficou mais clara. Outros investidores passaram a fazer coisas semelhantes e o conhecimento se espalhou. “Há uma transição cultural para entender que é possível investir na área de educação.”
Além de ter escopo diferenciado, a Gera mantém seus funcionários ativos em diversas funções. Guilherme, por exemplo, está atuando por tempo indeterminado como diretor de uma unidade do Sistema Elite de Ensino, no Rio de Janeiro. (O Elite, assim como as redes Pensi, Coleguium e Alfa, compõe a Eleva.) “A ideia é ficar dentro da gestão da empresa e me desenvolver”, diz. “Vim fazer MBA aqui, não em Harvard.”
Trajetória profissional
Quando estava escolhendo sua graduação, Guilherme ficou em dúvida entre diversas áreas, como direito e história. Acabou optando pela economia, que estudou na PUC-Rio como bolsista da Fundação Estudar.
Profissionalmente, teve seus momentos de vacilo. “Na faculdade é comum achar que só existe um caminho lógico, e na minha era ir para o mercado financeiro tradicional”, lembra. Ele, no entanto, buscava algo que se encaixasse com sua paixão por educação básica.
Foi quando se deparou com a Gera, fundada em 2010, através de indicações da rede da Estudar. (O empresário Jorge Paulo Lemann é o maior investidor e integra o conselho do fundo.) Entre idas e vindas, que incluíram um intercâmbio fora do país e estágios no BBM e na Ventor Investimentos, finalmente recebeu uma oferta da empresa em agosto de 2012.
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“As sócias-fundadoras, Rafaela Vilella e Duda Falcão, sempre quiseram construir uma equipe sem vícios de cultura, então dificilmente contratamos alguém que não seja estagiário – alguém sem experiência, mas que tenha potencial”, fala. “Aí a pessoa vai se provando e crescendo. Há uma regra que, em dois anos, ou você vira sócio ou vai embora. Então você dá um gás.”
Perfil do profissional em um fundo de educação
Entre as características buscadas pelo fundo estão curiosidade, flexibilidade, criatividade, disciplina e uma vontade de conhecer profundamente um setor cheio de nuances. “Eu me forço a saber e a ter três conversas por mês com pessoas que trabalham com educação”, exemplifica.
Ele também sugere que jovens procurem métodos do tipo “lifehacking”, que facilitam e agregam informações ao cotidiano. Fã declarado de podcasts, Guilherme preenche as horas no trânsito com programas sobre marketing, economia, internet e psicologia e garante que seu trabalho ganha com isso.
“Todas essas pequenas coisas diferentes se ligam ao seu assunto principal”, explica. “Você consegue quebrar o problema em pedaços e saber de onde extrair conhecimentos para mudar o que está ali.”
Cotidiano de trabalho da equipe
O tamanho reduzido da equipe e a idade média de 27 anos fazem com que o ambiente do fundo se pareça com uma startup – uma que lida com centenas de milhões de reais, é verdade. “Quando você tem um fundo pequeno e pessoas novas e ambiciosas, há um crescimento conjunto”, diz Guilherme, destacando a horizontalidade da organização.
Ao analisar possíveis investimentos, que se dividem entre private equity e capital de risco, a Gera utiliza uma série de critérios pré-estabelecidos. Aquela empresa atende uma demanda real na educação? Tem potencial financeiro? O modelo pode escalar? O empreendedor é flexível? O produto é de qualidade? A missão é escolher investimentos lucrativos e que tenham impacto na educação – não há um sem outro.
A tomada de decisões é coletiva. “Discutimos muito toda semana e, se o case é maior, trabalhamos nele juntos”, diz Guilherme. Antes de assinar contratos, o grupo ainda apresenta suas decisões de investimento aos membros do conselho, composto por empresários experientes.
Além da holding Eleva Educação, o portfólio hoje também tem as unidades fluminenses da Cultura Inglesa e startups como Geekie, Kaltura, Civitas Learning, Bloomboard e MangaHigh. “Na parte de capital de risco [onde ficam as startups], 90% de nossa decisão é baseada no time. É preciso olhar o setor, ver se faz sentido e se o empreendedor te ouve”, fala.
Uma vez “investidas”, as empresas contam com acompanhamento próximo e o auxílio necessário. “Fazemos muitas pontes entre empresas nacionais e estrangeiras e buscamos gente boa na nossa rede, além de ajudar em pesquisas.”
Nas aulas O gosto de Guilherme por investigar assuntos o levou até a criar uma nova área de pesquisas, que resulta em um clipping semanal sobre educação para os colegas. Há também as cartas abertas, onde a equipe compartilha seus insights publicamente. Ambos estão disponíveis online.
Na carta número 1, o fundo esclarece sua visão: é preciso sacudir a letargia dos métodos de ensino e encontrar novas (e eficazes) maneiras de transmitir conteúdo no século 21. “É uma questão de tempo e pesquisa para que novas tecnologias sejam cada vez mais presentes em nossas salas”, escrevem. “Mas no Gera não acreditamos em balas de prata em educação. Sabemos que, como na busca pelo Santo Graal, a caminhada será árdua e complexa. Nosso trabalho é para que, daqui a alguns anos, a leitura das cartas do Gera conte a trajetória da criação de um modelo educacional que aproveite o melhor dessas ferramentas a fim de gerar melhorias pedagógicas alinhadas a um atraente retorno financeiro.”
Foi a vontade de fazer uma busca imersiva por melhorias pedagógicas que levou Guilherme a trabalhar como diretor de escola. O posto é um jeito prático de entender, de verdade, diversos temas importantes para o futuro dos negócios. Como criar um novo sistema de precificação, planejar o ciclo de matrículas ou desenhar novos currículos, por exemplo? “Eu sabia a teoria, mas ainda estava distante da ponta”, lembra ele.
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A unidade no bairro de Vila Valqueire tem cerca de 1000 alunos, 50 funcionários e 50 professores. As tarefas do investidor se espalham por todos os setores, como pedagogia, administração e controle financeiro. “Como gestor, gasto muito tempo com gente”, conta. “E o melhor indicador de sucesso são as relações, porque funcionários felizes têm um impacto gigantesco.”
Os primeiros meses foram de muitas conversas, especialmente com pais de estudantes, para entender melhor as situações reais. A rotina segue puxada, mas Guilherme está mais tranquilo. Algumas das práticas que desenvolveu ao longo dos últimos cinco meses – ele costuma escrever relatórios diários para si mesmo e pretende transformá-los em manuais de trabalho – já estão sendo implementadas em outras unidades da Eleva.
Seus aprendizados também serão úteis na primeira Escola Eleva, que estreia no bairro de Botafogo em 2017 com currículo e proposta educacional moldados pela equipe da Gera. Parcerias com a Orquestra Sinfônica Brasileira e com a Universidade Stanford estão nos planos, assim como um foco maior no que chamam de habilidades de vida, como pensamento crítico, comunicação e colaboração.
O potencial de crescimento enxergado pelo fundo está se provando real, diz Guilherme, e com o duplo mandato de impacto financeiro e social que queriam. “Com um bom trabalho, você de fato agrega valor para os alunos e cria um modelo de gestão educacional replicável e mais apurado no país”, diz. “Ver que dá para mudar algo gera uma paixão muito grande. É possível fazer.”